domingo, 26 de novembro de 2006

Rebelde sem calça

Estava eu num ônibus, a caminho do trabalho.
Sabe destes dias em que você acorda revoltado com a vida?
Aquela revolta contra a sociedade, ódio contra tudo e todos.
Tal era a dose da irritação que fiquei a pensar.

Revoltei-me com o político roubando dinheiro público.
Imaginei o destino desviado de tal verba. Deveria prover estudo, saúde, e tantas coisas mais...
Dinheiro aquele que poderia matar a fome do miserável.
Conclui que - mesmo indiretamente - tal político era tão genocida quanto Hitler (será mesmo tão diferente morrer na câmera de gás ou de fome ou por falta de atendimento médico?).

Irritei-me com o papel destrutivo do ser humano em nosso planeta.
Polui a água que bebe, queima a floresta, acaba com o equilíbrio.
É a evolução humana! Grande Evolução destrutiva!
E a revolta ia aumentando....

E a guerra? Bombardear um país por causa de petróleo?
E as bombas nucleares? Destruir um estado inteiro para demonstrar poder?
Causar sérias conseqüências ao mundo inteiro por isto?

E a miséria toda do nosso país?
Aquele que morre de fome.
A violência, um homem matando ao outro por míseros trocados.

E a mídia que explora a desgraça do mundo?
Mostra o que acha que deve mostrar, não resolve nada e ganha muito com isto.
E o ser que fica assistindo a tudo isto?
Aquele que acomoda a bunda gorda no sofá assistindo passivamente a tudo isto?

Enquanto cultivava tamanho ódio, entravam mais pessoas no ônibus.
Comecei a reparar em cada um.
As falsidades, reclamações, interesses, mesquinharias....
O moleque incapaz de ceder o lugar ao debilitado idoso.

Olhei para um lado, uma batida de carro. Os donos discutindo, provavelmente acabaria em briga.
Briga por um monte de lata.
Olhei para o outro lado.
Uma senhora mendigando chamou-me a atenção.

Veio um camarada. Sacou algumas moedas e entregou-lhe.
A senhora ficou feliz.
Percebi que o doador ficou ainda mais feliz, até pelo jeito de andar.
Estufou o peito e apresentou um sorriso.

A raiva quase explodiu dentro de mim.
Ele não estava fazendo aquilo por se importar com a senhora.
Estava fazendo para sentir-se melhor.
Para gozar da sensação de "Fiz a minha parte", "Tenho problemas, mas ainda bem que não estou nessa!".
Ele se aproveitou da desgraça alheia para sentir-se melhor.
E o pior é que consciente ou inconscientemente todos somos assim!!!

Foi então que eu pensei: Certo! E o que eu faço para mudar tudo isto?
Nada! Não faço nada, porcaria nenhuma!!!
Faço algumas doações mas nunca visito tais instituições.
Contribuo para o greenpeace mas nunca me juntei a alguma causa deles.
....

Então fui acalmando...
..a raiva foi passando...
..fui me acomodando..
..esbocei um tranqüilo sorriso e fui calmamente trabalhar...
..afinal, sou apenas mais um rebelde sem calça.

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